O ROMANCE THE WAVES O romance The Waves marca o auge experimental de Virginia Woolf. Apresenta uma estrutura formal e uma narrativa interiorizada. Há uma metáfora das ondas que sugere o progresso dos personagens desde sua infância até a maturidade, pois são descritas desde o momento em que começam a se formar, atingem seu apogeu e culminam na sua dispersão na areia. No romance co-existem seis personagens, porém em nenhum momento eles dialogam diretamente. Seus pensamentos são predominantes, bem como suas reflexões sobre a vida, a morte, a consciência e impressões que vão colhendo durante toda sua existência. Algumas dessas impressões, sensações ou experiências são lembradas pelos personagens durante vários momentos de suas vidas. A técnica do Fluxo de Consciência é bastante explorada por Virginia Woolf nessa obra. A exploração do espaço 53 interior da alma humana é outra característica dessa técnica de escrita, como afirma Silva (1973: 312-313). Ao finalizar a leitura de The Waves, seu marido Leonard Woolf afirmou que se tratava de uma obra prima, como documentou Lehmann (1989: 79). Pode-se perceber claramente o esmero com que a autora escreveu a obra. Woolf levou aproximadamente quatro anos para escrever o livro. Como já afirmamos antes, toda a narrativa do romance é interiorizada, não há diálogos entre os seis personagens. A linguagem formal da narrativa é a mesma, não importando se os personagens estão na fase infantil ou adulta. Como afirma Susan Dick (apud SELLERS, 2000: 50-71), Virginia Woolf usa o discurso não para diferenciar os personagens, mas para uni-los dentro de um estilo comum, mesmo que cada um desenvolva seqüências imaginárias privadas. Woolf mergulha no pensamento das personagens e mescla sensações internas e impressões externas. Como afirma Vassalo: A narração desliga-se da fala do narrador, o autor debruça-se no interior da mente do personagem e finge viver em seu próprio pensamento através de suas percepções mais existenciais, atemporais e íntimas (VASSALO, 1984: 146). A autora emprega o Fluxo de Consciência como técnica modernista, que rompe com a noção mimética de real externo e introduz o discurso do universo psíquico como uma realidade tão verídica quanto a narração descritiva externa. O livro é dividido em nove interlúdios, que seriam entreatos na linguagem teatral e que consistiriam de “breves situações encenadas nos intervalos entre duas peças diferentes, no início ou no fim de uma peça ou mesmo durante seus intervalos (ALVES, 2002: 74). Esses interlúdios são seguidos de nove episódios que consistem em solilóquios, ou seja, monólogos interiores, como afirma Alves (2002: 66): “O solilóquio, no teatro, consiste em uma série de monólogos de reflexões dirigidos diretamente à audiência, enquanto que os outros atores em cena permanecem em silêncio”. O solilóquio é uma técnica que envolve o fluxo da consciência apresentado com a presunção de uma audiência e sem a interferência do autor. Portanto, há “a revelação da consciência ou dos processos psíquicos do personagem por ele próprio, diretamente ao leitor, omitindo-se o narrador, mas estando pressuposta uma platéia para ouvi-lo” (PIRES, 1989: 202- 203). 54 Os personagens são os amigos Rhoda, Jinny, Suzan, Neville, Louis e Bernard Cada um deles tem uma etiqueta, quer dizer, traços característicos. Eles também apresentam lembranças recorrentes que vão se somando a experiências novas durante todo o romance: Jinny só pensa em rapazes, vestidos e festas; Suzan tem muita vontade de ser mãe e de constituir uma família; Rhoda tem pavor do mundo social, além de amar outras garotas em segredo; Neville é homossexual e apaixona-se por Percival, que ama Suzan (Percival só aparece no romance através da percepção dos seis amigos); Louis está sempre preocupado com seu sotaque australiano e com o fato de se tornar bem sucedido para ser aceito socialmente; Bernard pensa em si mesmo como tendo uma identidade complexa e múltipla, pensa que os seis amigos formam o ser humano que eles não conseguiram ser. Bernard questiona a vida e afirma não saber bem ao certo quem ele é, não sabe distinguir sua vida da vida dos outros amigos, dando a entender que os seis personagens são aspectos de uma só personalidade: Then it becomes clear that I’m not one and simple, but complex and many 2(Woolf, 1992: 56). Cada uma dos nove interlúdios antecede um solilóquio e se apresenta em itálico. Eles aparecem como metáforas das idades dos personagens e ao mesmo tempo descrevem o sol desde o seu nascimento até seu ocaso, passando pelo seu apogeu ao meio-dia, que coincidiria com o auge da juventude para os seis amigos. Em The Waves, observa-se uma tendência à iconicidade da linguagem a partir da própria iconização da narrativa em Fluxo de Consciência através da estrutura da obra. O enredo, as memórias, as sensações, não são lineares, são muitas vezes sobrepostos e desordenados, vão e vêm num movimento constante, a partir de várias perspectivas ao mesmo tempo, o presente e o passado aparecem simultaneamente. Ela também utiliza a metáfora das ondas para iconizar esse fluxo da consciência que se apresenta ao longo do romance; as ondas dão ritmo ao movimento da consciência e do pensamento. Como afirma Alves: 2 Torna-se claro que não sou uno, nem simples, mas complexo, múltiplo (Woolf, 1980: 58). A metáfora das ondas, que seguramente representa a estrutura do romance, seria, porém, mais uma a somar-se à descrição do movimento da memória. Essa metáfora poderia também ser estendida aos muitos sentidos da palavra wave empregados durante toda a narrativa, como os movimentos de ondular, tremular e os gestos de acenar, agitar, abanar, que remeteriam, mais uma vez, ao movimento continuo de ir e vir. (ALVES, 2002: 72) As manifestações icônicas apresentam-se desde a estrutura do livro, suas divisões, até pequenas frases e sentenças encontradas no meio de parágrafos, que são construídas iconicamente através de traços de semelhança. A autora se debruça na construção formal da obra, fazendo com que o próprio leitor monte o enredo ou a história do romance, o que se constitui em tarefa árdua, dadas as nuances e particularidades do pensamento icônico e não linear que a autora apresenta. Valorizando a noção de movimento (do pensamento, da memória, da consciência, da vida), evidenciada pela metáfora do ritmo das ondas, Virginia Woolf cria uma escritura diagramática onde, como afirma Alves: As relações de similaridade se darão tanto em um plano macro, como a própria técnica narrativa do fluxo de consciência e da relativização do tempo, bem como em um plano micro, que é o da estrutura de frases e da repetição de palavras, que estabelecem relações internas e assim representam o próprio movimento da mente. (ALVES, 2005) Essas relações de similaridade constituem o ícone, que se encontra na categoria de signo. Utilizaremos a análise semiótica de Soraya Ferreira Alves, a partir da teoria de Charles Sanders Peirce, como um dos referenciais teóricos para o desenvolvimento desse trabalho. De acordo com Alves, O fato de Woolf ter sido tipógrafa é encarado, quase sempre, como um dado biográfico, não se percebendo que a tipografia, o trabalho de composição das palavras através dos ícones das letras que as formam, revela o aspecto icônico do universo verbal escrito e que, muito provavelmente, essa tarefa a tenha influenciado na composição de sua própria linguagem. (ALVES, 2002: 08) O Fluxo de consciência, além de ser a técnica escritural adotada por Woolf, é também mais um aspecto iconizado por ela através da estrutura da obra, daí a importância do entendimento dessa forma de narrativa para a compreensão da obra como um todo. Ela apresentava uma experimentação textual que possuía na sua escrita iconizações do pensamento, dos sons, do movimento. A partir do próprio título do romance The Waves (as ondas) Virginia Woolf iconizou, através das ondas, o ritmo da vida e do próprio pensamento.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
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Iniciei-me a poucos dias na literatura de Virginia Woolf, comecei por Orlando, passei pelo ensaio Um Quarto Todo Seu (o qual me prendeu mais pelos apontamentos que ela faz, magnificamente, sobre o ato de escrever do que o tema objetivo da obra), e agora comecei a ler As Ondas e... nossa! Parece ser a melhor coisa que eu já li em 19 anos de existência. Adorei o seu trabalho, ainda não tinha sacado a metáfora do ritmo das ondas - torna tudo ainda mais genial.
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